sexta-feira, 24 de setembro de 2010

E os pensamentos voam


Os pensamentos voam livres sem lugar para repousar. Sempre quis ouvir os barulhos dos seus movimentos. Pensamentos são assim, estão sempre em conflitos, parecem até multidões que não se entendem, que se comprimem, um coliseu de idéias. Algumas enamoradas pelas cumplicidades, outras indiferentes e divorciadas. Cabeças não me dizem nada de harmonioso e celestial. Acho que o inferno é na verdade uma metáfora das cabeças. Foi pensando nelas que as religiões inventaram os demônios com seus dentes afiados, chifres e rabinhos. Os pensamentos são povoamentos de deuses e demônios que se lambuzam em orgias.Sempre me ensinaram a pôr ordem nas coisas. A arrumar, empilhar os objetos para causar uma boa impressão, mas sei que minha arrumação continua desarmoniosa. Hoje, depois de muito esforço contrário, resolvi viver em paz com o caos. Esta reprodução prática e imperfeita da minha mente abstrata e errante.Está ai o sentido, temos que evitar a todo custo sua manifestação (dizem alguns). A ordem depende dos pensamentos domados e que por isso, deixados de ser pensamentos. Não queremos correr riscos. Pensar é perigoso. Sempre haverá conselheiros que nos ensinará a não sermos nós mesmos.A corrente que prende estes deuses e demônios e não os deixam tranformar-se em palavras, chama-se obediência, a menos que esta seja resguardada pela própria liberdade do pensar. O pensamento precisa das palavras para ser livre. As palavras são asas que conduzem os pensamentos lá onde o corpo finda.Caminhando pelas avenidas da cidade, não sou eu. São meus pais, amigos de infância, colegas, casas, brincadeiras, brigas, objetos, cão, gato, lugares em que passei, tudo isso em choque com o agora. Pensamentos me fazem múltiplo e singular.Correr para que, se o que me espera é uma bengala? Imaginava assim há algum tempo atrás. Continuo pensando que a agitação, a vida frenética é doentia e por isso desnecessária. Mas, por outro lado, contemplando a face de alguns privilegiados velhinhos, entendi que não vamos ao encontro de um simples apoio ao nosso corpo cansado. Velhice é tempo de memória e esquecimento, de retomar a criança que estava prisioneira. Sou um amante dos velhinhos, semblantes cansados, sentados nos pátios, sem pressa, tendo por companhia um cafezinho, cigarro de palha e o pôr-do-sol....Sinto-me reduzido ao quintal da minha infância, lá tudo não era.É isso, talvez o que acontece com estes homens. Eles vivem uma nova percepção da vida, retornam as essências, não tem mais tempo para as superficialidades.Não me canso de olhar as fotografias de Mário Quintana. Nelas, vejo que o pensamento não envelhece, apenas me surpreende e as vezes me faz ri.Lindo estava meu avô aos 86 anos. Alguns diziam que ele estava caducando. Separou-se de vó, pois não suportou sua traição com um dito artista de novela, o charmoso Lima Duarte. Amava a ponto de não suportar dividi-la com ninguém. Alguns se separam por amor. Confundia sempre as folhas das bananeiras com os pássaros. Apontava para o os passarinho negros no céu e ninguém mais via. Só os seus olhos de criança. E aquela lourinha que animava as criançadas pela manhã, estava sempre lhe assediando. Pobre poeta ninguém o entendia. Por mais que seus filhos contestassem e tentassem orientá-lo, a verdade era uma só, a que ele via. Seu corpo necessitava de auxílio, mas sua cabeça esquecida e criadora continuava rebelde. De vez em quando os deuses e os demônios escorregavam em suas palavras para habitar outros seres. Pensamentos são assim, não morem. Ainda hoje, ouço suas seus movimentos a me importunar. Embora, meu avô já tenha partido.
Messias Nunes
www.messiasessencias.blogspot.com

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